No dia 26 de julho de 2025, no primeiro dia da World Artificial Intelligence Conference (WAIC) em Xangai, a China lançou oficialmente seu Plano Global de Ação de Governança da IA — uma proposta abrangente que posiciona o país como um dos protagonistas no debate internacional sobre inteligência artificial.
O timing não passou despercebido: o anúncio veio três dias após os Estados Unidos, sob o governo Trump, divulgarem seu próprio plano de ação para IA. O contraste entre os dois documentos revela visões opostas sobre o futuro da tecnologia: enquanto os EUA adotam uma postura nacionalista e menos regulatória, a China defende cooperação multilateral e vigilância rigorosa sobre os riscos da IA.
WAIC 2025: um palco para a geopolítica da IA

A WAIC 2025 reuniu pesos pesados da indústria global de tecnologia, incluindo Geoffrey Hinton, Eric Schmidt e pesquisadores de instituições como o Shanghai AI Lab e a Academia Chinesa de Ciências. A presença internacional — com exceção notável da maioria das empresas e autoridades dos EUA — reforça o papel do evento como plataforma de influência da China no debate global sobre IA.
No discurso de abertura, o primeiro-ministro chinês Li Qiang defendeu uma IA construída em bases colaborativas e globais. A mensagem foi clara: regulação e segurança devem ser prioridades compartilhadas por todos os países.
“Seria melhor se o Reino Unido, nós [China], Cingapura e outros institutos se unissem”, afirmou Yi Zeng, professor da Academia Chinesa de Ciências, em entrevista à Wired.
Segurança em primeiro lugar é o foco central da agenda Chinesa
Enquanto os EUA evitam regulações mais rígidas para favorecer a inovação doméstica, a China surpreende ao colocar segurança no centro de sua agenda de IA. Em várias apresentações técnicas e fóruns paralelos, pesquisadores e autoridades chinesas destacaram riscos como:
- Alucinações de modelos de IA
- Discriminação algorítmica
- Riscos cibernéticos e existenciais
- Supervisão escalável (monitoramento de IA por IA)
“Você poderia literalmente participar de eventos sobre segurança de IA todos os dias da semana em Xangai”, comentou Brian Tse, fundador da Concordia AI.
A Concordia, aliás, organizou um fórum paralelo à WAIC com nomes de peso como Stuart Russell e Yoshua Bengio, reforçando o comprometimento chinês com a construção de uma infraestrutura regulatória robusta para IA.
Ausência dos EUA e o surgimento de uma nova coalizão
Durante as reuniões de portas fechadas na WAIC, especialistas como Paul Triolo, da consultoria DGA-Albright Stonebridge Group, notaram a ausência quase total dos EUA — tanto de representantes do governo quanto de grandes laboratórios americanos, com exceção da xAI, de Elon Musk.
Com isso, surge uma nova coalizão internacional liderada por China, Reino Unido, UE e Cingapura, com o objetivo de estabelecer “guardrails” (barreiras de segurança) para o desenvolvimento da IA de fronteira. Essa movimentação pode indicar uma mudança no eixo geopolítico da regulação da IA, com os EUA ficando temporariamente à margem.
Papéis trocados na corrida regulatória?
O cenário atual parece inverter as expectativas de anos anteriores. Quando as empresas chinesas começaram a investir em IA, muitos analistas acreditavam que as rígidas exigências de censura governamental seriam um entrave à inovação. Hoje, porém, o governo chinês apoia abertamente a regulação internacional e a supervisão coletiva, enquanto os EUA promovem uma IA “que busque a verdade objetiva” — algo que muitos críticos classificam como uma tentativa de imposição ideológica de cima para baixo.
“O plano chinês parece mais globalista que o americano”, comentou Steven Levy em seu boletim da Wired.
Convergência técnica, divergência política
Apesar das diferenças políticas, há uma convergência crescente entre os pesquisadores chineses e americanos nas questões técnicas mais sensíveis da IA, como:
- Desenvolvimento de métricas padronizadas de segurança
- Auditoria algorítmica
- Supervisão escalável
- Construção de modelos confiáveis e transparentes
Isso se deve ao fato de que os modelos de IA de ponta em ambos os países usam as mesmas arquiteturas e métodos de treinamento, o que exige soluções comuns para desafios semelhantes. O lançamento do Plano Global de Governança da IA pela China durante a WAIC 2025 marca um ponto de inflexão na corrida internacional pela liderança em inteligência artificial. Mais do que apenas uma resposta ao plano dos EUA, a iniciativa chinesa mostra que a regulação, a segurança e a cooperação internacional estão no centro da nova diplomacia tecnológica.
Enquanto os Estados Unidos seguem uma abordagem centrada na liberdade de mercado e nos interesses nacionais, a China avança com um discurso de responsabilidade coletiva e padronização global, buscando ocupar um papel de liderança ética e estratégica na construção das regras da IA de amanhã.
Com os principais países desenvolvendo modelos avançados sob arquiteturas semelhantes, a colaboração — e não o isolamento — será fundamental para garantir transparência, confiabilidade e segurança em escala global. Se a WAIC 2025 é um indicativo do futuro, as decisões sobre IA não serão apenas técnicas — serão também profundamente políticas.